A cláusula de declarações e garantias, ou até mesmo a fase ou contratos de prestação de declarações e garantias, como alguns advogados especialistas em fusões e aquisições costumam chamar, é algo fundamental para que se possa garantir a segurança do investidor na fase de negociação da aquisição de uma companhia, independente do modelo de operação societária que se deseja escolher.
O cuidado e desempenho exercido por essas cláusulas, bem como seu funcionamento, causam diferentes efeitos e modulam a segurança da operação durante as negociações e na fase do pós M&A ou Pós Deal, como quiserem nomear.
Mas o que seria a cláusula de declarações e garantias?
Antes de responder a esta pergunta, o mais importante seria responder uma pergunta preliminar: Em qual momento elas surgem?
Considerando que numa operação de compra e venda de uma empresa, os atos preliminares são constituídos pela assinatura de NDAs, MOUs, Term Sheets e LOIs, temos que a próxima fase seria a assinatura dos atos negociais que determinam como serão estruturadas as operações definitivas.
Nesse momento, muitas questões modificativas do negócio podem ocorrer, como por exemplo: o vendedor pode querer desviar algum ativo tangível ou intangível relevante, a diretoria ou os acionistas podem tomar decisões não previstas que podem vir a ser prejudiciais ao investidor, movimentos não previstos de mercado podem mudar a natureza da empresa alvo, informações relevantes podem não ser reveladas, o timing da operação pode ser modificado de forma sensível à operação, e assim por diante.
Considerando ainda o momento de instabilidade em que vivemos, muito mais pode vir a acontecer, e, isso pode mudar significativamente o rumo das negociações, e, sendo assim, alguma garantia de que a estabilidade inicial do negócio deve se manter deverá ser prestada tanto pelo vendedor (empresa target ou empresa alvo) como pelo comprador (investidor – fundo de investimento – Fundos de Private Equity – Fundo de Venture Capital, e, assim por diante).
É nesse momento que, para o bom andamento da operação, deve surgir o documento que presta a garantia pelas partes de que alguns instrumentos, posturas e informações relevantes serão prestadas e garantidas, independente da investigação (due diligence) que for realizada reciprocamente entre as partes que estiverem negociando.
Esse instrumento, que surge nesta fase, é denominado “cláusulas de declarações e garantias”.
Essas cláusulas demandam da criação de presunções relativas, a alocação de riscos contratuais bem como da previsão de indenizações e a exação das bases para eventual anulação do contrato por erro ou dolo da vendedora em geral, assim como os cuidados que se devem tomados numa eventual disputa envolvendo a quebra dassas declarações e garantias.
Elas servem fundamentalmente para majorar ou mitigar os riscos contratuais assumidos pelo vendedor, principalmente envolvendo as qualicadoras de conhecimento, materialidade, tempo e valores do negócio.
Também questões como a possibilidade de resolução de disputas com qualificadoras de conhecimento, materialidade e tempo.
Cláusulas de Declarações e Garantias e sua modulação
As declarações e garantias servem para gerir riscos e diminuir a diferença entre as informações prestadas pelo vendedor e colhidas pelo comprador em processo de due diligence que são inerentes às operações de M&A.
Nessas operações, uma das partes — geralmente o vendedor (target) — revela uma determinada posição da empresa à outra parte (investidor ou comprador), garantindo que as informação por ele prestadas são verdadeiras.
Se aquelas declarações forem falsas, incompletas ou imprecisas, a parte que a prestou estará contratualmente obrigada a reparar o prejuízo causado pela imprecisão. Esse é o espírito do contrato.
A alocação de riscos contratuais através dessas cláusulas se torna um tanto mais complexa quando a sociedade-alvo (empresa target) tem grande porte ou larga área geográfica de atuação. Nesses casos, é imensa a dificuldade de declarar as informações ou fatos sobre o estado da empresa, devido muitas vezes a ela mesma não conhecer bem o dia a dia de todas as suas unidades produtivas.
Além disso, por vezes, o detentor de certas informações negociais da sociedade-alvo já deixou seu quadro de funcionários e diretores e os eventos supervenientes podem fazer com que uma declaração verdadeira no signing (assinatura dos contratos) se torne falsa ao tempo do closing (fechamento do negócio) pois, na prática, sabemos que tais operações levam um tempo considerável para seu fechamento.
Da mesma forma que o comprador ou investidor busca diminuir seus riscos em relação ao objeto da negociação, é razoável que o vendedor também queira limitar o seu dever de indenizar, e, nesses casos, ambos devem flexibilizar em termos polidos as condições contratuais, sempre visando o fechamento do negócio de forma que todos se beneficiem.
É por isso que a busca da equipe de profissionais especializados e experientes que tenham o perfil adequado para este tipo de operação, e que não se deixem tomar pela ansiedade, é fundamental para garantir o fechamento do negócio.
É comum que as partes negociem a intensidade das declarações e garantias com os assessores da compradora, insistindo que as declarações sejam sólidas e concretas, enquanto os assessores da vendedora defendem que as declarações tenham caráter meramente informativo, e, isso leva tempo. Raramente vemos uma compra de empresa ser realizada de forma rápida e fortuita. Se isso acontecer será um sinal de alerta.
Formas mais comuns de modular a intensidade das declarações e garantias.
A modulação de intensidade das declarações e garantias é matéria afeta à autonomia privada das partes, que contam com grande liberdade para ajustar as mais diversas formas de mitigar ou majorar os riscos assumidos no contrato. Essa liberdade geralmente depende das condições negociais que delas vão estar balizadas as negociações, pois, quanto mais uma empresa depender de ser vendida, mais pressão o investidor tenderá a colocar nas cláusulas de declarações e garantias, bem como nos demais contratos, e, vice-e-versa.
Não obstante, a prática revela que as formas mais comuns de se modularem as declarações e garantias envolvem a inserção das qualificadoras de conhecimento, materialidade e tempo. A qualificadora de conhecimento tem por objetivo limitar o escopo das declarações e garantias aos fatos que a vendedora sabe, ou ao menos deveria saber.
Neste caso, se a informação revelada à compradora é falsa, mas a vendedora desconhece essa falsidade, inexistirá a quebra de declarações e garantias. O elemento de dolo é fundamental nesses casos para que seja executada a indenização.
A compradora só terá direito à indenização se comprovar que as informações fornecidas pela vendedora não são verdadeiras e que a vendedora sabia — ou deveria saber — que aquelas informações não são verdadeiras.
As comunicações trocadas entre as partes e os depoimentos de testemunhas técnicas ganham especial relevância para o sucesso da disputa.
E-mails nos quais a compradora externaliza seu interesse no ganho de sinergias, no acesso a novos mercados relevantes ou na consolidação de uma posição dominante no mercado ao vendedor são de suma importância para afastar o regime da reserva mental (artigo 110 do Código Civil) e comprovar o caráter material das declarações inverídicas para a operação.
Não obstante, declarações de expert witnesses ou de peritos podem ser extremamente úteis para mostrar como a falsidade de determinada declaração afeta diretamente os objetivos do comprador com o contrato, e, muitas vezes colocam em risco a operação — especialmente quando a materialidade envolver um evento não pecuniário, como o ingresso de um novo concorrente no mercado relevante da sociedade – alvo, informações falsas sobre a due diligence de contingentes trabalhistas, fiscais, regulatórios ou da dignidade da pessoa humana.
Em todos os casos, é bastante recomendável que a instauração da disputa seja precedida de uma etapa de levantamento e análise de provas, as quais são essenciais para o início de qualquer discussão.
A parte e seus advogados especialistas em direito societário devem saber, antes da instauração da disputa, quais fatos podem provar e quais dependerão da exibição de documentos em poder de terceiros e oitiva de testemunhas técnicas e fáticas. Todos esses fatores devem ser cuidadosamente ponderados e estrategicamente definidos antes de ir a litígio, seja arbitralmente, seja judicialmente, para que se possa ter chances de êxito em cenários de acordo e os riscos dos embates judiciais ou arbitrais, dependendo de como foram estruturados os contratos iniciais.
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